JBS e BRF, de “campeãs nacionais” a suspeitas de vender carne vencida

Foto Capa: Nelson Almeida-AFP
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A Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, não só apontou para a existência de um suposto esquema de corrupção entre frigoríficos e fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura, como colocou em dúvida a qualidade dos produtos vendidos por duas gigantes brasileiras do setor de carnes: JBS, dona das marcas Friboi Seara e Big Frango, e a BRF, dona da Sadia e Perdigão. A notícia de que as empresas pagavam propina para vender carnes vencidas ou adulteradas com produtos químicos —o que tanto a JBS quanto a BRF negaram— fez com que as ações dos frigoríficos despencassem mais de 8% na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) até o início da tarde sexta-feira. Além das duas gigantes do setor, outras 29 companhias também são alvo da operação.

Tão logo foi noticiado, o suposto esquema de corrupção para vender carnes podres também despertou a desconfiança dos consumidores: sobrou até para o ator Tony Ramos, garoto-propaganda da Friboi, que tornou-se alvo de memes nas redes sociais e se disse “surpreso” com o esquema, em entrevista ao site Ego, da Globo —vegetarianos estão sendo felicitados por não comerem carne e, assim, estarem imunes ao esquema de fraude.  Parte dos alimentos adulterados teriam sido fornecidos para alunos da rede pública do Paraná. A investigação também revelou a reembalo de produtos vencidos.

Responsável pela marca Friboi, a JBS, da holding J&F, é um império do setor de carnes fundada há 54 anos, com 200.000 funcionários em 350 unidades pelo mundo. Entretanto, seu boom é recente: o grupo só se tornou um grande player no mercado global a partir de 2003, durante o Governo do ex-presidente Lula (PT), quando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), passou a conceder empréstimos pesados e até se tornar seu sócio.

Parte dos recursos que entravam na JBS acabaram sendo usados para adquirir pequenos concorrentes e grandes também. Compraram por exemplo a Swift, a Tasman Group, a Smithfield Beef, a Five Rivers e a Seara. Atualmente, além da produção de carnes (bovina, suína, ovina e de aves), o grupo, controlado pela mesma família que o fundou, possui fábricas de celulose, biodiesel, um banco e uma emissora de televisão, o Canal Rural.

Rivais

Principais alvos da Operação Carne Fraca, a JBS e a BRF (antiga Brasil Foods) são rivais históricas na disputa pelo mercado doméstico de carnes e se destacaram como players globais com impulso da política das “campeãs nacionais” nos Governos petistas, que reforçava financiamento público via BNDES a setores considerados promissores. Dona das marcas concorrentes Sadia e Perdigão, a BRF emprega mais de 105.000 pessoas em sete países. Seara, Sadia e Perdigão possuem as mesmas categorias de produtos alimentícios (além das carnes, embutidos e derivados) e brigam pelo mesmo nicho de mercado. Por isso, as três marcas e a Friboi são também responsáveis pelas campanhas publicitárias milionárias —outra global, a jornalista Fátima Bernardes, a garota-propaganda da Seara, também não foi poupada da ira bem-humorada dos memes. Agora, as agências que atendem às marcas terão a difícil missão de reverter o estrago que investigação da PF causou na confiança das marcas (que tornaram-se trending topics no Twitter e Facebook e nas buscas do Google nesta sexta).

Ambas as marcas negam irregularidades.  Em nota, a JBS informou “não há nenhuma medida judicial contra os seus executivos. A empresa informa ainda que sua sede não foi alvo dessa operação”, e que “a JBS e suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias”. Já a BRF informou que “assegura a qualidade e a segurança de seus produtos e garante que não há nenhum risco para seus consumidores”, afirma a empresa.

Entenda o caso

A Operação Carne Fraca, desencadeada pela Polícia Federal na última sexta-feira (17/03), voltou os holofotes para grandes empresas do setor, como a JBS, responsável pelas marcas Seara e Big Frango, e a BRF, dona da Sadia e Perdigão. Informações preliminares dão conta de que havia um esquema de pagamento de propinas a fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura para que frigoríficos pudessem vender produtos adulterados com produtos químicos e carnes vencidas. No total a Polícia cumpre 38 mandados de prisão que atingem executivos das duas empresas, e a Justiça Federal do Paraná determinou o bloqueio de 1 bilhão de reais nas contas da JBS e BRF. Além das duas gigantes do setor, outras 29 companhias também são alvo da operação. A PF cumpriu mandados nos Estados de São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás.

O delegado Maurício Moscardi Grillo, que até recentemente integrava a força tarefa da Operação Lava Jato,  afirmou que o esquema abastecia partidos políticos. “Dentro da investigação ficava bem claro que uma parte do dinheiro da propina era revertido para partido político. Já foi falado ao longo da investigação dois partidos que ficavam claro: o PP e o PMDB”, disse Grillo. Segundo ele, foram detectadas irregularidades nas Superintendências Regionais do Ministério da Pesca e Agricultura do Estado de Minas Gerais, Goiás e Paraná. O delegado disse que ainda não é possível determinar os valores de propina pagos no esquema, mas as estimativas iniciais dão conta de que o dinheiro movimentado pode alcançar milhões de reais. Isso porque um dos investigados declarou ter 400.000 reais em dinheiro vivo na sua residência.

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Parte dos alimentos adulterados teriam sido fornecidos para alunos da rede pública do Paraná. “Inúmeras crianças de escolas públicas estaduais estão se alimentando de merendas compostas por produtos vencidos, estragados e muitas vezes até cancerígenos para atender o interesse econômico desta poderosa organização criminosa”, escreveu Grillo em seu despacho. Uma das técnicas envolvidas seria a substituição de carnes nobres utilizadas nas salsichas por outras mais baratas e até mesmo por farelo de soja.

Em nota, a Polícia Federal afirma que “agentes públicos, utilizando-se do poder fiscalizatório do cargo, mediante pagamento de propina, atuavam para facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva”. Ainda não se sabe quantas pessoas podem ter consumido os alimentos irregulares. Além de abastecer o mercado interno, as duas empresas também são grandes exportadoras.

O atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), é citado em uma conversa grampeada pelas autoridades que investigam o caso. No diálogo, ele se refere ao fiscal agropecuário Daniel Gonçalves Filho, como “grande chefe”. Gonçalves, que ocupou o cargo de superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, é apontado como um dos principais articuladores do esquema. O juiz responsável pelo caso, no entanto, disse que não existem indícios suficientes de que o parlamentar tenha participado de algum ilícito. Serraglio assumiu a pasta da Justiça há poucas semanas, mas já protagonizou polêmicas: chegou a dizer que consegue identificar um criminoso ao “olhar nos olhos”.

Em um telefonema entre Serraglio e Gonçalves, o peemedebista diz que “o cara que está fiscalizando lá apavorou o Paulo, disse que hoje vai fechar aquele frigorífico (…) Botou a boca. Deixou o Paulo apavorado”. O fiscal afirma que irá “ver o que está acontecendo”.

A notícia de que mais um ministro de Michel Temer se vê envolvido em um escândalo de corrupção pode complicar a estratégia do Planalto de não falar sobre os aliados implicados em investigações. O presidente já afirmou que ninguém será afastado até que seja formalmente denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Além de Serraglio, outros seis ministros do Governo foram alvo de pedidos de abertura de inquérito na Operação Lava Jato – o Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou com relação aos pedidos.

Em nota, Serraglio afirmou que a investigação deixa claro que ele não “interfere” nos trabalhos da Polícia Federal: “ O Ministro soube hoje, como um cidadão igual a todos, que teve seu nome citado em uma investigação. A conclusão tanto pelo Ministério Público Federal quanto pelo Juiz Federal é a de que não há qualquer indício de ilegalidade nessa conversa gravada”.

Já a JBS divulgou nota informando que “não há nenhuma medida judicial contra os seus executivos. A empresa informa ainda que sua sede não foi alvo dessa operação”, e que “a JBS e suas subsidiárias atuam em absoluto cumprimento de todas as normas regulatórias”.

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical) afirmou em nota que “apoia a operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal (…) e reforça que a denúncia partiu do próprio Sindicato”.

Verde

Link: verdeagritech.com

 

Reportagem Original: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/17/politica/1489763244_536570.html / http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/17/politica/1489761743_696597.html / Fotos: Nelson Almeida-AFP / Diego Giudice-BLOOMBERG

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